Pedro Governador

Por Vieira da Cunha

Pedro Simon completa 95 anos, eis aí uma data para aplaudir. Levo com muito orgulho o período em que trabalhei ao seu lado no final dos anos 80, ele governador do Estado, eu, Secretário de Comunicação. Quando assumiu o governo, em março de 87, imperava um clima de pessimismo e negativismo no Rio Grande do Sul, em um ambiente ruim turbinado por uma receita insuficiente para alcançar as despesas e uma dívida cavalar, crescente e incontrolável. As manchetes dos jornais, os grandes meios de comunicação da época junto com o rádio e a televisão, exclamavam repetidas vezes, em suas letras garrafais e sempre nas manchetes, que o Estado era ingovernável. Na imprensa, o que pontuava era a situação caótica das finanças públicas e da istração pública em geral.

O que ressaltava ali era a incapacidade da istração pública de atender a exigências mínimas da sociedade gaúcha. Saneamento, manutenção de escolas, hospitais, a segurança pública, a habitação popular, tudo estava numa situação de Mandrake, sem receber centavos. Pedro Simon, feito Dom Quixote, se dedicou a procurar liderar uma mobilização regional capaz de elevar a autoestima dos cidadãos. 

Não sei quem idealizou o slogan Leve o Rio Grande no Peito, que você, que nasceu no século ado, talvez se recorde. Quando me incorporei ao governo em agosto de 1988, substituindo na Secretaria de Comunicação o grande amigo Hélio Gama, já era corrente esta ideia, materializada em um botton que apresentava um coração estilizado, na forma de um mapa do Estado. Todo discurso de Simon martelava muito na difusão das mazelas gaúchas, e aquilo me pareceu uma contradição - o governo exortava os cidadãos a confiarem no Rio Grande, mas ao mesmo tempo escancarava e chorava suas mazelas. Comentei isso com o governador, que na hora mesmo bateu no meu braço, seu sinal muito especial de demonstrar aprovação, e chamou para a conversa a atenção de quatro ou cinco pessoas que estavam ali em seu gabinete. 

Primeiro governador de oposição eleito após anos de arbítrio, e inconteste liderança da luta por liberdade e democracia plena, a partir dali Pedro Simon alterou o enfoque de seu discurso. "Há gente que foi feita para plantar e há gente que foi feita para colher", ou a afirmar em suas intervenções públicas, acrescentando, em tom conformado e no seu jeito franciscano de ser, que reconhecia que a vida lhe destinara o mais difícil - plantar. Ele quase sempre desprezava as anotações preparadas pela nossa assessoria, que enfatizava realizações e obras do governo. Orador por excelência, Simon preferia conduzir os ouvintes à análise de fatos determinantes das dificuldades vividas e a lembrança dos tempos em que o Rio Grande do Sul, na vanguarda de tantos setores, soube se afirmar.

Naqueles momentos, a pergunta que lançava atravessava sua plateia como um desafio: por que, ao longo do tempo, o Rio Grande do Sul foi perdendo seu espaço no cenário nacional? Provocava e conclamava qual um apóstolo. A base de um Rio Grande de novo forte e grande estaria na crença e na determinação de seu povo. Por isto, seu clamor para que cada um levasse o Rio Grande no peito, na tarefa a que se via compelido, paralela à de , de arregimentar corações e mentes que levassem adiante o projeto de desenvolvimento e de volta ao combate às desigualdades e injustiças sociais.

Recordo que certa vez, nesta cruzada atrás de uma pontada de otimismo, Simon afirmou: "Nós vamos iniciar com convicção um novo Rio Grande, que vai ser rico, que vai ser próspero, mas que será o Rio Grande fruto do nosso trabalho". E parafraseando Kennedy, detalhou: "Essa frase quer dizer apenas o seguinte: não vamos perguntar ao Rio Grande o que podemos levar dele, mas vamos perguntar às nossas consciências o que nós podemos fazer pelo nosso Rio Grande".

A retrospectiva daquele período mostrava com clareza que o governo do Estado se dedicava a desenvolver um verdadeiro esforço de marketing para vender um produto chamado... Rio Grande do Sul. Esta a ênfase que dei ao responder, findo o governo, uma interpelação judicial, que acusava a gestão Simon-Guazelli (o vice Sinval Guazelli assumiu em março de 1990, quando o titular renunciou para concorrer ao Senado) de difundir um slogan para se autopromover. Não foi difícil provar que o que estava sendo vendida era a imagem não do governo nem do governador nem da istração daquele momento, e sim a própria imagem do Estado. 

Em toda ação publicitária que se divulgou naquele período, a orientação seguida era sempre essa, a de mostrar o Rio Grande com um ambiente acolhedor e favorável aos empreendedores. Era um esforço articulado para sustentar que havia condições, capacidade, viabilidade, perspectivas altamente positivas para seu desenvolvimento - apesar de qualquer adversidade eventual ou sentimento negativista.

Acrescentei mais um cristalino argumento para defender o posicionamento de que o esforço de divulgação do governo não privilegiava o governante, antes pelo contrário. Simon tinha sido, até aquele momento, o único governante dos anos contemporâneos a não propagar uma fotografia oficial. Melhor, foi o único a não exigir, como era rotina até aquela época, que qualquer próprio público, qualquer repartição, qualquer escola ostentasse, no salão nobre ou na "sala do diretor", a fotografia oficial do Senhor Governador.

A recomendação oficial era em outro sentido: que os órgãos públicos estaduais colocassem em destaque um quadro com o mapa do Rio Grande do Sul e uma inscrição que significava um apelo no sentido de que o Estado contasse com a participação de seus cidadãos, para que todos se conscientizassem das responsabilidades que tinham para com seu torrão natal. O quadro trazia uma arte do mapa gaúcho com a inscrição "Leve o Rio Grande no Peito", uma ideia que trazia embutida a conclamação no sentido de se desenvolver este estado e amá-lo intensamente, com o mesmo orgulho de anteados ilustres.

 

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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