O Viajante e a Madonna

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Mais um ônibus de dois andares a pela rua. Das janelas, turistas fotografam com os celulares paisagens e cenários que mereceriam ser apreciados com atenção e sem pressa. Uma escritora e jornalista inglesa, Rachel Vareno, escreveu sobre as diferenças entre turista e viajante. Para ela, o turista está sempre ansioso em seguir adiante, antecipando o que vai encontrar na próxima parada.

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E quanto ao viajante? Ela define como uma raça quase extinta, descendente do lendário Marco Polo. Assim como o veneziano, o Viajante (que ela grafa com V maiúsculo) carrega fome de conhecimento e busca de intimidade com cada cidade que visita. Procura saber de sua história, gastronomia e costumes de seus habitantes. E ainda se imagina como seria morar ali.

Eu estava longe de ser um Viajante quando pisei na Europa pela primeira vez. Nada conhecia sobre as cidades do roteiro, além dos tristes resumos do guia de bolso. Ou seja, não tinha idéia do me esperava pelo caminho. Mas as coisas mudaram quando cheguei a Bruges, a antiga capital de Flandres, na Bélgica. Uma cidade que soube preservar sua identidade histórica.

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Quando o Brasil foi descoberto, Bruges já era importante centro cultural e financeiro. Nas hoje, nas ruas de pedras da época dos romanos, não rodam carros nem ônibus de turismo. Ao longo de construções meticulosamente preservadas estão a primeira bolsa de mercadorias do continente e a sucursal do banco dos Médices, que movimentava mais ouro do que a matriz em Florença. Um sem número de museus exibe obras-primas da pintura flamenga, que raramente se vê nos museus mais famosos.

Mais adiante, na Catedral de Notre Dame se esconde um raro tesouro da arte universal. É uma pequena escultura em mármore de Carrara, que por si só, justifica visitar Bruges: a Madonna com o Menino de Michelangelo Buonaroti. Sua história é fascinante. É a única escultura do mestre do Renascimento que existe fora da Italia.

Adquirida por um príncipe Médici, foi trazida para Bruges como adorno da fachada da sucursal flamenga. Quando a esculpiu, Michelangelo ainda não completara 30 anos, mas já demonstrou genialidade, antecipando sua grande obra-prima, a Pietà da Basílica de São Pedro, em Roma.

No mármore de Bruges se percebe no rosto tranquilo da Virgem  sua aceitação do sacrifício do Menino. Ela lhe segura a mão, como que pressentindo que ele não mais lhe pertencia.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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