Informação x Publicidade

Por Flávio Dutra


Previsão: em futuro não muito distante todos os programas de TV e de rádio serão um grande comercial, cercado de algum conteúdo. Constatação: em nome da sustentabilidade financeira de seus projetos, os veículos eletrônicos aram a misturar, sem constrangimento, a publicidade com o editorial. 

O distinto público fica confuso, sem saber se o que está sendo anunciado faz parte da temática do programa ou são informações de interesse do patrocinador, assumidas e validadas pelo veículo.  Sim, eu sei que os patrocínios garantem as programações no ar, os investimentos necessários e os empregos dos profissionais, mas sei também que as empresas viraram o fio nesse processo, em alguns casos, para sobreviverem, em outros porque o que interessa mesmo é faturar e a credibilidade a gente vê depois.

Exemplos não faltam, mas vou me permitir omiti-los, sabendo que é regra geral a prevalência da publicidade. Qualquer feira do agro ou festa típica no interior e lá estão as emissoras com seus programas de ponta e seus principais comunicadores. Idem em relação aos eventos turísticos.  Nessas ocasiões, em que âncoras e repórteres se esforçam para agradar os anfitriões, prenhes de elogios ao motivo da presença na festa ou evento, as autoridades e lideranças empresariais ganham espaço, falam de suas realizações e projetos, além de retribuírem os elogios recebidos.  É função dos veículos dar cobertura às realizações das comunidades, o questionável é o tratamento chapa branca e interesseiro dado a presença no acontecimento festivo ou empresarial. Na maioria dos casos, a presença só ocorre se for patrocinada. 

Até a poderosa Rede Globo - ou principalmente ela - se rendeu aos merchandisings descarados em seus programas, ampliando as possibilidades antes restritas  apenas às novelas. As ações comerciais vão engordar, além do faturamento da emissora, os bolsos já bem aquinhoados dos principais comunicadores envolvidos, que pelo menos se esforçam no ar para fazer jus à grana extra. Por enquanto, os telejornais e o pessoal do Jornalismo não participam desse esquema. 

Até lembro que tempos atrás havia um certo pudor dos profissionais com a chamada pauta 500, aquela de interesse mais do departamento Comercial do que da redação, e com o "toco", certos  mimos que os patrocinadores e as fontes enviavam ao pessoal dos veículos para estreitar as relações.  Hoje, lamento informar, o constrangimento foi pras cucuias e muitas vezes o "toco" é saudado com entusiasmo quando chega ao seu destino. Ou seja, contaminou geral.

Tento não me investir em corregedor da mídia, mas a verdade é que já foram superados todos os limites do aceitável em termos de comercialização, ferindo ainda mais a já desgastada credibilidade dos veículos de comunicação e, por consequência, atinge também o Jornalismo na sua essência.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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