Coopítulo 89 - Verdades reveladas

Por Vieira da Cunha

Momentos relevantes da história da imprensa regional estão registrados nas páginas do Coojornal, e provavelmente muitos deles só estão mesmo ali. Onde mais haveria informações sobre a agem do mineiro Estácio Duarte Ramos, que veio ao Rio Grande do Sul para ser uma espécie de coveiro dos veículos da rede Diários e Emissoras Associados no Rio Grande do Sul? Criada pelo magnata Assis Chateaubriand, aquela que havia sido a mais poderosa empresa de comunicação do país estava definhando desde o final dos anos 60. O Coojornal viveu o papel de uma espécie de testemunha deste triste ocaso.

A Rádio Farroupilha e a TV Piratini avam por sérias deficiências técnicas, e o Diário de Notícias já era considerado irrecuperável. Estácio aterrissou nas dependências da TV Piratini, em meados de 1975, como um ilustre desconhecido, que imediatamente tornou-se personagem chave naquele epílogo dos Diários Associados. Logo rolou a história comentando que em uma das salas da diretoria havia um senhor vindo de Minas Gerais, com uma gaveta recheada de cédulas. O comentário, que soava ainda como um boato a ser considerado, acrescentava que estava convocando um por um dos antigos funcionários, oferecendo acordos para encerrar o ciclo na empresa. 

Corriam muitos boatos nos corredores das redações, e o Coojornal foi ouvir o homem para conferir a versão menos fantasiosa. Estácio assumira como diretor geral e disse que seus planos envolviam resolver os atrasos no recolhimento de impostos, enfrentar as fraquezas "técnicas sérias" e encarar a realidade, na qual despontavam os tremendos prejuízos causados pelo jornal. Estácio comentou com o repórter do mensário que, apesar de tudo, a rádio e a televisão apresentavam superávits, insuficientes, no entanto, para assegurar a sobrevivência do sistema de comunicação.

Agora, uma revelação, que nem o Coojornal contou: em certo momento, quando a missão do mineiro no Rio Grande se aproximava do final, chegou a nosso conhecimento que a rotativa do Diário de Notícias fora colocada à venda. A máquina era razoavelmente nova, e incorporava um histórico de polêmica, pois fora adquirida pelo jornal A Razão, de Santa Maria, a partir de uma movimentação comunitária para arrecadação dos fundos necessários. A direção da rede Associados fez um golpe desconcertante, traindo os santa-marienses ao decidir deixar a rotativa em Porto Alegre para imprimir prioritariamente o Diário de Notícias, e só depois A Razão, que seguia para o interior via rodoviária. Fácil imaginar a revolta dos líderes comunitários e empresários de Santa Maria que se esforçaram para assegurar os recursos que garantiriam ao jornal do interior ter sua própria impressora, sonho abortado cruelmente.

Jorge Polydoro e eu fomos até ele verificar a autenticidade da história e manifestar nossa vontade de comprar o equipamento. A conversa foi excelente, com o mineiro demonstrando imensa alegria ao verificar que mais aquela missão, desfazer-se dos bens materiais, estava ficando muito bem encaminhada. Nós, idem; a Cooperativa dos Jornalistas já tinha um bem equipado núcleo de produção industrial, com todas as etapas necessárias para publicação de jornais e revistas, com exceção da impressora. A Coojornal estava em boas condições financeiras na época, e não havia dúvidas de que poderia dar o o ousado.

Qual não foi nossa surpresa e espanto quando, três dias depois, Estácio me ligou para dizer que não poderia realizar o negócio porque não estava autorizado pela direção do grupo. Soou estranha a informação, que vinha na contramão da euforia de poucos dias antes, mas não tínhamos outra alternativa que não amargar a decepção com a iniciativa frustrada. Decepção que se transformou em indignação quando, não muito tempo depois, soubemos que a máquina fora vendida para um jornal no Ceará - segundo os comentários, em uma venda com certos aspectos nebulosos.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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