Por que a sua empresa existe?
Por Fabiano Nadler, para Coletiva.net

É comum que empresas enxerguem seu negócio sob o viés dos serviços e produtos que comercializam no mercado. Que confundam que sua função está na produção de um determinado produto ou na prestação de um serviço específico e, por isso, têm clientes. Afinal, é isso que eles querem quando escolhem sua marca. No entanto, com o nosso mundo cada vez mais digital, muitos setores estão tendo seus modelos colocados em xeque e sendo forçados a refletir sobre essa pergunta: por que minha empresa existe? É um questionamento que exige profundidade, pois a vida ou a morte do seu negócio pode depender dessa resposta.
Para algumas organizações e indústrias, a falta de clareza sobre essa resposta foi fatal. Temos o clássico exemplo da Kodak, que acreditou que seu negócio era fazer filmes. Ironicamente, a tecnologia que matou seu negócio foi criada dentro da própria empresa: a câmera digital. No entanto, como podemos perceber hoje, o negócio também não é a câmera digital, muito menos fotos digitais. O segredo para encontrar a resposta certa é identificar por que as pessoas compram seu produto ou serviço. Qual necessidade elas têm e que sua empresa atende. Nesse sentido, o filme ou a câmera são ferramentas, mas não a motivação. O que as pessoas realmente querem é registrar um momento e poder revisitá-lo depois. A mídia, a ferramenta utilizada para atender essa necessidade, pode mudar. Pode ser filme ou digital, pode ser uma máquina fotográfica ou um celular. Mas a necessidade é a mesma. Se a Kodak tivesse percebido, hoje talvez estivesse desenvolvendo aplicativos ou celulares, acompanhando a mudança de comportamento de seus clientes.
Essa capacidade de entender as necessidades dos usuários, aliada a um profundo conhecimento de tecnologia com uma operação ágil e enxuta, é o que permite que empresas novas em poucos anos superem e até tirem do mercado grandes players. Exemplos não faltam. O negócio da Blockbuster não era alugar fitas VHS, DVDs ou BluRays, e sim permitir o o a conteúdo de entretenimento. A Netflix atendeu a mesma necessidade, mas com nível de experiência superior e escala muito maior. Até empresas de tecnologia, sem nenhum histórico nesse mercado, conseguiram rapidamente entrar nele, como Amazon e Apple. Em poucos anos, a Blockbuster fechou, em razão da mesma falha cometida pela Kodak. A história se repete.
Indústrias inteiras sofreram impactos no seu modelo de negócio. A fonográfica pensava que seu negócio era vender CDs, LPs e DVDs. Empresas de mídia achavam que era vender jornal. Percebam: embora esses dois segmentos tenham sido fortemente impactados e até hoje ainda não tenham conseguido se reinventar totalmente, a necessidade de consumir música e informação não acabou. Pelo contrário. Nunca foi tão grande. Só que o formato, o o, a mídia e a forma de monetizar é que mudou. Hoje, ao invés de uma gravadora, quem melhor monetiza são empresas de tecnologia como Apple e Google. E é evidente a dificuldade que tanto empresas como profissionais desses setores tiveram em se adaptar às mudanças de comportamentos de seus consumidores. A informação hoje é consumida em redes sociais, no YouTube, em podcasts no Spotify, no Instagram. Poucos profissionais e players conseguiram entender isso e aproveitar todo o potencial que essas mídias oferecem.
Se a Blockbuster tivesse esse mindset, de focar mais na necessidade que atende e menos no produto ou serviço que oferece, quem sabe ela não teria criado o Netflix? Ou a Mercedes-Benz criado o Uber ou um serviço de compartilhamento de carros? Ou uma gravadora criado o Spotify?
Um mercado que irá ar por essa transformação é o mercado financeiro, através da implementação do open banking no Brasil. É fundamental que as instituições entendam seu papel, para além da visão de seus produtos financeiros. Afinal, como Bill Gates falou em 1996: "people need banking, not banks". As pessoas sempre precisarão de o a dinheiro para viabilizar a compra de uma casa, por exemplo. Se esse dinheiro vier de um banco, de uma empresa de tecnologia, de uma pessoa física, não importa. Ela vai escolher a melhor opção, com o melhor serviço, melhores condições, maior garantia e segurança.
Olhando para trás, é fácil perceber essa mudança no comportamento do consumidor, cada vez mais empoderado pela tecnologia. Parece óbvio que a Blockbuster deveria ter comprado o Netflix, como inclusive teve oportunidade de fazer. Mas e quando o cenário ainda não está claro? Como perceber esse momento olhando para frente? A chave a por identificar três fatores fundamentais: necessidade, comportamento do usuário e agentes de transformação. A necessidade normalmente é a mesma, mas o comportamento muda. E muda pela ação de diferentes agentes, que impõem ou catalisam a mudança. E é essa mudança que pode matar o seu negócio.
Por isso, é importante mapear esses agentes que impulsionam a transformação de comportamento. A tecnologia tem sido um relevante agente de mudança de comportamento, através da facilidade do o, do mindset ágil das empresas do setor e do conceito de rede e escala. Ela que permitiu uma empresa sem um único carro revolucionar a mobilidade de cidades: a Uber. Ou uma empresa sem nenhum local revolucionar o ramo de hotelaria, como o AirBnb. Ela conectou a necessidade com o proprietário do bem, gerando valor para as duas pontas.
No entanto, fatores socioeconômicos e até sanitários também geram mudanças de comportamento no consumidor. Uma crise econômica força os usuários a rever hábitos de consumo. A pandemia, por exemplo, modificou nosso comportamento de consumo pela imposição do distanciamento social e pelo receio da contaminação.
Diante disso tudo, para a sobrevivência das organizações, só existe um caminho: manter um processo constante que identifique os agentes e avalie o potencial impacto no negócio - e, a partir disso, responder de forma ágil e à frente da mudança. Aquelas que forem mais bem-sucedidas nesse processo, ou até se tornarem agentes de transformação, terão uma grande vantagem competitiva. Ter uma mente aberta, experimentar abraçar as mudanças é essencial, assim como sair da postura de negação e não aceitar o novo. Ou, daqui a alguns anos, você pode estar se perguntando: por que minha empresa não existe mais?
Fabiano Nadler é head de Design de Experiência da Brivia.