O que fazer com os estrangeirismos

Por Luís Augusto Junges Lopes, para Coletiva.net

Revisar qualquer texto, seja jornalístico, médico, jurídico, requer sólidos conhecimentos em língua portuguesa. Não é o meu caso. Meus conhecimentos são modestos. Quando identificar o uso de anacoluto? O que é oração coordenada assindética? Porém, é preciso estar atento às principais regras gramaticais, como conjugação, acentuação, pontuação, concordância nominal, regência verbal, uso dos porquês, dos hífens, da nova ortografia (o que vale hoje e o que não vale mais), além de evitar as constantes repetições ('portanto' é a campeã de todas). Existe, também, a categoria extra das padronizações, como o que vai em itálico, em aspas. Deve-se usar 'século 20 ou século XX?', entre tantas outras questões. 

Além disso, é sempre útil ter boas noções de conhecimentos gerais, como história, esportes, política e até...Matemática. Duvida? Espia o exemplo a seguir.

"Segundo especialistas, o número de mortes causadas pela pandemia do coronavírus pode chegar a 600.000 mil brasileiros até o fim do ano." 

Aparentemente, a frase está ok! Mas repara bem naquele 'mil'... Se você multiplicar 600.000 por mil dará um número estratosférico! Então, esse 'mil' deverá ser excluído, lembrando que não é raro acontecer essa inserção em milhares.

E se já não bastassem as peças que esse mesmo idioma nos prega eventualmente, como diria o mestre Paulo Ledur, autor do livro 'Português Prático', ainda temos que conviver - e até resolver - os imbróglios causados pelos estrangeirismos que invadem diuturnamente a língua-mãe. 

Não tenho mais dúvidas que o Português é o idioma mais 'esponja' que existe no mundo. Absorve tudo que é expressão em inglês, sem ao menos consultar se ela já consta no Vocabulário Oficial ou não. Basta tomar como exemplo o verbo deletar, que vem de 'to delete', aquela tecla do computador que significa simplesmente 'apagar'.

Creio não haver uma explicação muito lógica para essa absorção descomunal dos estrangeirismos. E agora, com a pandemia, isso se tornou um verdadeiro tsunami: drive-thru, lockdown, on-line, lives, home office, e o 'devil-at-four' (expressão inédita que acabo de inventar pra dizer: e o 'diabo-a-quatro'!). O que se pode chegar mais perto de uma explicação racional é que os brasileiros adoram Miami, Nova York, Califórnia, Disney... Daí, talvez, in-cons-cien-te-men-te, tenham a clara intenção de: "Ah podem invadir a nossa língua, mas nos permitam entrar mais facilmente em seu país pra desfrutar de todas essas maravilhas que vemos na tevê!" No entanto, essas são reflexões pra quem realmente entende do riscado. 

A grande questão que se coloca ao se deparar com esses anglicismos é o que fazer com eles no texto. Devemos padronizar todos em itálico? Em aspas? Em negrito? Ou colocar uma tradução entre parêntesis ou numa nota de rodapé?

Bem, aí depende do cliente. Para muitas publicações, adota-se o que se tem padronizado em diversas publicações: não se colocam em itálico as expressões em inglês que já são de domínio público, como software, pageview, print, /, mouse, e uma infinidade de outros exemplos. Em contrapartida, as que estão recém entrando na seara da nossa língua vão em itálico para demonstrar justamente que nem todo mundo sabe o que significa. 

E quem sugere colocar esses estrangeirismos em aspas, sempre recordo aquela máxima ao se usá-las no exemplo a seguir: 

Este rapaz é um "amigo" meu. 

As aspas aqui, em vez de realçar a palavra, dão um tom eminentemente irônico ao dizer que esse rapaz é um verdadeiro 'amigo da onça'. 

Agora, imagine a sua tia/o seu tio ou avó/avô acompanhando as últimas notícias sobre a pandemia. "Em função da pandemia do novo coronavírus, muitos estão trabalhando em home office. O governador, na live de ontem, afirmou não querer decretar lockdown. No entanto, irá priorizar a vacinação no modelo drive-thru!"

E ainda tem a expressão 'take away' correndo por fora, que significa 'pegue e leve'. 

De tudo isso, lembrei de uma frase que virou meme nas redes sociais. Lá no auge da pandemia, os prefeitos e até governadores estavam receosos em adotar o lockdown em seus territórios para que as pessoas que insistiam em sair ficassem em casa a fim de estancar o avanço da pandemia. 

Daí surgiu a frase: "As pessoas não sabem o que significa 'fiquem em casa', vão entender 'lockdown'!"

Luís Augusto Junges Lopes é sócio-proprietário da Press Revisão Assessoria em Comunicação.

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