Escuta ativa para diversidade (ou como sair das nossas ilhas)
Por Luan Pires, para Coletiva.net

Aconteceu anos atrás. Eu estava chegando no trabalho com as unhas pintadas. Estava fazendo frio, mas eu não usava luvas porque pintava as unhas, embora um gesto pequeno, representava ser quem eu sou onde quer que eu vá. Nesse dia, um colega de trabalho me disse que "pintar as unhas era coisa de mulher" e que "não entendia o fato de eu querer ser uma". Contei ao meu chefe, que iniciou medidas disciplinares. Fiquei sabendo que esse colega - após algumas reuniões - havia dito para outros: "ainda não consigo entender o que eu fiz de errado".
Essa história poderia, mas não aconteceu comigo. Aconteceu com um amigo, um ano atrás, e me chamou atenção porque tangibiliza a necessidade de um assunto que eu acho importante: a Escuta Ativa na cultura de diversidade. Aquele colega não tinha entendido nada porque não tinha escutado nada, apenas ouvido. A diferença entre essas duas palavras é grande.
Não é eficaz dar espaço para personas diversas quando não temos capacidade de ouví-las. Afinal, quem poderia imaginar (contém ironia) que a comunicação é uma via de mão dupla, né? A chamada Escuta Ativa é uma técnica de comunicação que consiste em escutar atentamente o que o outro está dizendo, ao invés de ouvir ivamente. O termo foi criado em 1970, pelo psicólogo clínico Thomas Gordon, e hoje em dia conceitua o ato de "estabelecer conexões reais com as pessoas ao redor e construir relações de confiança, valorizando a opinião do outro e encorajando sua expressão".
Na área de Comunicação, quando estamos pesquisando sobre um assunto, criando um discurso ou construindo um conceito, conversamos muito com colegas e clientes. Sabemos que o processo é uma somatória de experiências. Mas, ao mesmo tempo, conforme cada profissional vai se especializando em uma área, mais corre o risco de perder a sensibilidade em ouvir pessoas com outras vivências. É aí que a diversidade pode ser barrada. A teoria diz que a audição por si só não é suficiente para reter o que foi dito. Sem atenção plena é possível que nossa memória guarde apenas 20% do que foi comunicado (link). Pior: em outro estudo (link), apenas três em cada 10 colaboradores acreditam que suas opiniões são ouvidas e levadas em conta.
Todos somos íveis de cair na armadilha de apenas ouvir. É preciso um exercício de fazer peguntas do tipo: até que ponto eu posso flexibilizar meu entendimento para construir algo que faça sentido? Estou permitindo que pessoas com outros olhares construam comigo ou apenas abrindo um espacinho benevolente para dizer que elas participaram? A diversidade precisa de espaço. Mas, mais do que isso, precisa de trocas, que precisam de ouvidos. Caso contrário, vamos continuar criando ilhas que alcançam as mesmas pessoas dos mesmos jeitos num mar imenso e igualmente limitado pelos mesmos pontos de vista.
Luan Pires é jornalista e executivo de Planejamento Estratégico e Comportamento.