Engajamento apenas com a verdade

Por Fabio Berti, para Coletiva.net

Como se já não bastasse o enfraquecimento do jornalismo por fatores das mais diversas - e absurdas - origens, o trend da hora são os sobrenomes. Jornalismo de soluções, jornalismo de dados, jornalismo de precisão... ah, e o famosão jornalismo investigativo (?!). Quando fiz graduação em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, no início da década de 90 do século e milênio ados, a gente se formava 'somente' jornalista e, para desempenhar a profissão, precisava investigar, articular dados e usá-los sempre com precisão, tudo isso a fim de contribuir para o bem-estar social.

Frente à polarização em que vivemos no Brasil, que aparta os pretensos "cidadãos de bem" do resto do povo - seriam esses cidadãos do mal? -, o jornalismo deveria, exclusivamente, cumprir a função social acima descrita, aquela que prometemos defender no juramento feito na cerimônia sublime da colação de grau. É justamente no atual cenário que ganha espaço um tal "jornalismo de engajamento", em perfis privados em redes sociais e, inaceitavelmente, em veículos tradicionais. Na essência, teria relação com um ativismo social sem, no entanto, perder a objetividade. 

Como tudo nessa vida se adapta aos interesses de quem os exerce, essa vertente parece perder o sentido ao verificarmos jornalistas de garras afiadíssimas defendendo ideologias e suas expressões. Há os que se autointitulam conservadores. Oi? Seriam os que ainda usam gravador com fita cassete, máquina de escrever e pena com tinteiro? Nada disso! São aqueles que defendem valores e comportamentos cuja própria evolução da humanidade demanda superar. Apologia à ditadura, defesa da família patriarcal tradicional (!?), intolerância à diversidade sexual, desprezo às questões de gênero, desconsideração aos avanços científicos. Tudo isso é tão pernicioso quanto a defesa prévia que temos visto a alguns agentes políticos - ou "politiqueiros", seja quando ocupam o poder ou quando fazem oposição sem critérios e para forçar as moedas de troca.

O Código de Ética dos Jornalistas expressa, entre diversas condutas vedadas ao profissional diplomado, que não se deve "usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime". Àqueles que emitem e reveberam opiniões que desqualificam o combate às posturas antidemocráticas ou que o chamam de "mi-mi-mi", recomenda-se fortemente a leitura desse documento norteador da profissão. Possivelmente, venha a ser uma leitura inédita.

De acordo com o American Press Institute, a missão do jornalismo tem sido, essencialmente, dividida em: fornecer às pessoas informações de que elas necessitam para serem livres e autônomas; e fornecer às pessoas informações verificadas as quais elas necessitam para tomar melhores decisões a respeito de suas vidas, suas comunidades, suas sociedades e seus governos.

Em tempos de avanço da infodemia - epidemia de desinformação, retomar a função social do jornalismo é questão de sobrevivência da atividade e preservação do estado democrático de Direito. O dueto técnica + ética precisa voltar a ser o regente da prática jornalística. Afinal, fake news e discursos de ódio já têm o livre às redes sociais e nem precisariam de especialistas para disseminá-los. Os robôs que operam a partir de gabinetes do Poder já o fazem muito bem feito.

Fabio Berti é jornalista, professor e Doutor em Educação em Ciências pela Ufrgs.

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